segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Meu querido diário


(Leia ouvindo)

Ao som de Jorge Drexler, escrevo o último post do ano, fugindo um pouco da linha que o blog tem seguido. Peço licença aos leitores (alun@s, curios@s, tuiteir@s, tod@s amig@s) para escrever sobre um pouco do que foi 2011 para mim. Acho que tudo se resume numa palavra: TRANSFORMAÇÃO. Optei pela docência, dediquei-me a ela e sigo feliz. Segui uma rotina (in)tensa de 14 horas diárias de trabalho, que deram bastante resultado: fui aprovada no Doutorado e conseguirei cumprir esta etapa acadêmica da minha carreira. Além disso, fiz parte em 2011 de equipes fantásticas de trabalho, nas três instituições em que trabalhei.

Para 2012, desejo a mim, aos meus e a todos os que me suportam (em todos os sentidos), apenas duas coisas:  CALMA e AMOR. Calma para a contemplação de momentos importantes da vida: um anoitecer, uma refeição, uma estrada (viu, Gabriel Divan?)... e amor para o trabalho, os amigos, a pessoa com a qual você decidiu compartilhar a vida toda (ou só um momento específico)... Com estes dois ingredientes, o Ano Novo pode ser, realmente, novo.

A pieguice fica por aqui. E eu volto em janeiro. Feliz 2012!


quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Indulto natalino

Foi publicado ontem, no Diário Oficial da União, o Decreto nº 7.648, que concede indulto natalino e comutação de penas aos condenados que se encaixam em seus requisitos.

É importante que todos leiam com atenção o ato, para que não reproduzam ideias do senso comum, de que "os bandidos estarão soltos / foram perdoados/que absurdo!". É necessário saber que o indulto é uma medida de política criminal, prevista como atribuição do Presidente ou Presidenta da República, nos termos do artigo 84, inciso XII, da Constituição Federal. O indulto promove liberdade àqueles que já estão passando pelo processo de criminalização terciária e que cumprem determinadas condições, definidas pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), Ministério da Justiça e Presidência da República.

Para maiores informações, veja aqui um texto do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios sobre o indulto. Feliz Natal a todos! Volto antes de 2011 terminar! =)


DECRETO Nº 7.648, DE 21 DE DEZEMBRO DE 2011.

Concede indulto natalino e comutação de penas, e dá outras providências.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, no exercício da competência privativa que lhe confere o art. 84, inciso XII, da Constituição, tendo em vista a manifestação do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, acolhida pelo Ministro de Estado da Justiça, e considerando a tradição, por ocasião das festividades comemorativas do Natal, de conceder indulto às pessoas condenadas ou submetidas a medida de segurança e comutar penas de pessoas condenadas, 

DECRETA: 

Art. 1º  É concedido indulto às pessoas, nacionais e estrangeiras:
I - condenadas a pena privativa de liberdade não superior a oito anos, não substituída por restritivas de direitos ou multa e não beneficiadas com a suspensão condicional da pena que, até 25 de dezembro de 2011, tenham cumprido um terço da pena, se não reincidentes, ou metade, se reincidentes;
II - condenadas a pena privativa de liberdade superior a oito anos e não superior a doze anos, por crime praticado sem grave ameaça ou violência a pessoa que, até 25 de dezembro de 2011, tenham cumprido um terço da pena, se não reincidentes, ou metade, se reincidentes;
III - condenadas a pena privativa de liberdade superior a oito anos que, até 25 de dezembro de 2011, tenham completado sessenta anos de idade e cumprido um terço da pena, se não reincidentes, ou metade, se reincidentes;
IV - condenadas a pena privativa de liberdade que, até 25 de dezembro de 2011, tenham completado setenta anos de idade e cumprido um quarto da pena, se não reincidentes, ou um terço, se reincidentes;
V - condenadas a pena privativa de liberdade que, até 25 de dezembro de 2011, tenham cumprido, ininterruptamente, quinze anos da pena, se não reincidentes, ou vinte anos, se reincidentes;
VI - condenadas a pena privativa de liberdade superior a oito anos que, até 25 de dezembro de 2011, tenham cumprido, em qualquer regime, um terço da pena, se não reincidentes, ou metade, se reincidentes, e tenham filho ou filha menor de dezoito anos ou com deficiência que necessite do cuidado delas;
VII - condenadas a pena privativa de liberdade não superior a doze anos, desde que já tenham cumprido dois quintos da pena, se não reincidentes, ou três quintos, se reincidentes e estejam cumprindo pena no regime semiaberto ou aberto e já tenham usufruído, até 25 de dezembro de 2011, no mínimo, de cinco saídas temporárias previstas no art. 122, combinado com o art. 124 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de Execução Penal, ou tenham prestado trabalho externo, no mínimo por doze meses nos três anos contados retroativamente a 25 de dezembro de 2011;
VIII - condenadas a pena privativa de liberdade não superior a doze anos, desde que já tenham cumprido dois quintos da pena, se não reincidentes, ou três quintos, se reincidentes, estejam cumprindo pena no regime semiaberto ou aberto e que tenham frequentado curso de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, superior, ou ainda de requalificação profissional, na forma do art. 126, da Lei de Execução Penal, no mínimo por doze meses nos três anos contados retroativamente a 25 de dezembro de 2011;
IX - condenadas à pena de multa, ainda que não quitada, independentemente da fase executória ou juízo em que se encontre, aplicada cumulativamente com pena privativa de liberdade cumprida até 25 de dezembro de 2011;
X - condenadas:
a) com paraplegia, tetraplegia ou cegueira, desde que tais condições não sejam anteriores à prática do delito e se comprovem por laudo médico oficial ou, na falta deste, por médico designado pelo juízo da execução;
b) com paraplegia, tetraplegia ou cegueira, ainda que tais condições sejam anteriores à prática do delito e se comprovem por laudo médico oficial ou, na falta deste, por médico designado pelo juízo da execução, caso resultem em grave limitação de atividade e restrição de participação prevista na  alínea “c”; ou
c) acometidas de doença grave e permanente que apresentem grave limitação de atividade e restrição de participação ou exijam cuidados contínuos que não possam ser prestados no estabelecimento penal, desde que comprovada a hipótese por laudo médico oficial ou, na falta deste, por médico designado pelo juízo da execução, constando o histórico da doença, caso não haja oposição da pessoa condenada;
XI - submetidas a medida de segurança, independentemente da cessação da periculosidade que, até 25 de dezembro de 2011, tenham suportado privação da liberdade, internação ou tratamento ambulatorial por período igual ou superior ao máximo da pena cominada à infração penal correspondente à conduta praticada ou, nos casos de substituição prevista no art. 183 da Lei de Execução Penal, por período igual ao tempo da condenação;
XII - condenadas a pena privativa de liberdade, desde que substituída por pena restritiva de direito, na forma do art. 44 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, ou ainda beneficiadas com a suspensão condicional da pena, que tenham cumprido, ainda que por conversão, privadas de liberdade, até 25 de dezembro de 2011, um quarto da pena, se não reincidentes, ou um terço, se reincidentes;
XIII - condenadas a pena privativa de liberdade sob o regime aberto ou substituída por pena não privativa de liberdade na forma do art. 44 do Código Penal, ou ainda beneficiadas com a suspensão condicional da pena, que tenham cumprido, presas provisoriamente, até 25 de dezembro de 2011, um sexto da pena, se não reincidentes, ou um quinto, se reincidentes;
XIV - condenadas a pena privativa de liberdade, que estejam cumprindo pena em regime aberto, ou em livramento condicional, cujas penas remanescentes, em 25 de dezembro de 2011, não sejam superiores a oito anos, se não reincidentes, e a seis anos, se reincidentes, desde que tenham cumprido um quarto da pena, se não reincidentes, ou um terço, se reincidentes; e
XV - condenadas por crime contra o patrimônio, cometido sem grave ameaça ou violência a pessoa, desde que tenham cumprido um sexto da pena, se não reincidentes, ou um quarto, se reincidentes, e reparado o dano até 25 de dezembro de 2011, salvo comprovada incapacidade econômica para fazê-lo.  
Parágrafo único.  O indulto de que cuida este Decreto não se estende às penas acessórias previstas no Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 - Código Penal Militar, e aos efeitos da condenação. 

Art. 2º  As pessoas condenadas a pena privativa de liberdade, não beneficiadas com a suspensão condicional da pena que, até 25 de dezembro de 2011, tenham cumprido um quarto da pena, se não reincidentes, ou um terço, se reincidentes, e não preencham os requisitos deste Decreto para receber indulto, terão comutada a pena remanescente de um quarto, se não reincidentes, e de um quinto, se reincidentes, aferida em 25 de dezembro de 2011. 
§ 1º   O cálculo será feito sobre o período de pena já cumprido até 25 de dezembro de 2011, se o período de pena já cumprido, descontadas as comutações anteriores, for superior ao remanescente. 
§ 2º  A pessoa agraciada por anterior comutação terá seus benefícios calculados sobre o remanescente da pena ou sobre o período de pena já cumprido, nos termos do caput e § 1º, sem necessidade de novo requisito temporal e sem prejuízo da remição prevista no art. 126 da Lei de Execução Penal. 

Art. 3º  Na concessão do indulto ou da comutação deverá, para efeitos da integralização do requisito temporal, ser computada a detração de que trata o art. 42 do Código Penal e, quando for o caso, o art. 67 do Código Penal Militar, sem prejuízo da remição prevista no art. 126 da Lei de Execução Penal. 
Parágrafo único.  A aplicação de sanção por falta disciplinar de natureza grave, prevista na Lei de Execução Penal, não interrompe a contagem do lapso temporal para a obtenção dos benefícios previstos neste Decreto. 

Art. 4º  A concessão dos benefícios previstos neste Decreto fica condicionada à inexistência de aplicação de sanção, homologada pelo juízo competente, garantido o direito ao contraditório e à ampla defesa, por falta disciplinar de natureza grave, prevista na Lei de Execução Penal, cometida nos doze meses de cumprimento da pena, contados retroativamente à publicação deste Decreto. 
§ 1º  A prática de falta grave após a publicação deste Decreto ou sem a devida apuração nos termos do caput não impede a obtenção dos benefícios previstos neste Decreto. 
§ 2º  As restrições deste artigo não se aplicam às hipóteses previstas nos incisos X e XI do caput do art. 1º

Art. 5º  Os benefícios previstos neste Decreto são cabíveis, ainda que:
I - a sentença tenha transitado em julgado para a acusação, sem prejuízo do julgamento de recurso da defesa na instância superior;
II - haja recurso da acusação que não vise a majorar a quantidade da pena ou as condições exigidas para a concessão do indulto e da comutação;
III - a pessoa condenada esteja em livramento condicional; ou
IV - a pessoa condenada responda a outro processo criminal, mesmo que tenha por objeto um dos crimes previstos no art. 8º

Art. 6º  A inadimplência da pena de multa, cumulada com pena privativa de liberdade, não impede a concessão do indulto ou da comutação. 

Art. 7º  As penas correspondentes a infrações diversas devem somar-se, para efeito do indulto e da comutação, até 25 de dezembro de 2011. 
Parágrafo único.  Na hipótese de haver concurso com crime descrito no art. 8º, a pessoa condenada não terá direito ao indulto ou à comutação da pena correspondente ao crime não impeditivo, enquanto não cumprir, no mínimo, dois terços da pena, correspondente ao crime impeditivo dos benefícios. 

Art. 8º  Os benefícios previstos neste Decreto não alcançam as pessoas condenadas:
I - por crime de tortura, terrorismo ou tráfico ilícito de droga, nos termos do caput do art. 33, § 1o, e dos arts. 34 a 37 da Lei no 11.343, de 23 de agosto de 2006;
II - por crime hediondo, praticado após a edição das Leis no 8.072, de 25 de julho de 1990no 8.930, de 6 de setembro de 1994no 9.695, de 20 de agosto de 1998;no 11.464, de 28 de março de 2007; e no 12.015, de 7 de agosto de 2009, observadas, ainda, as alterações posteriores; ou
III - por crimes definidos no Código Penal Militar que correspondam aos delitos previstos nos incisos I e II, exceto quando configurada situação do uso de drogas disposto no art. 290 do Código Penal Militar; 
§ 1º  As restrições deste artigo e dos incisos I e II do caput do art. 1º não se aplicam às hipóteses previstas nos incisos IX, X e XI e XII do caput do art. 1º
§ 2º  O benefício previsto no inciso VI do caput do art. 1o não alcança as pessoas condenadas por crime praticado com violência ou grave ameaça contra filho ou filha. 

Art. 9o  Para a concessão do indulto e comutação das penas é suficiente o preenchimento dos requisitos previstos neste Decreto.  

Art. 10.  A autoridade que custodiar a pessoa condenada e os órgãos da execução previstos nos incisos III a VIII do caput do art. 61 da Lei de Execução Penal encaminharão, de ofício, ao juízo da execução, inclusive por meio digital, a lista daqueles que satisfaçam os requisitos necessários para a concessão dos benefícios enunciados neste Decreto. 
§ 1º  As Ouvidorias do Sistema Penitenciário e a Ordem dos Advogados do Brasil poderão encaminhar ao juízo da execução a lista de trata o caput
§ 2º  O procedimento previsto no caput poderá iniciar-se de ofício, a requerimento do interessado, de quem o represente, ou ainda, de seu cônjuge ou companheiro, parente ou descendente, da Defensoria Pública, da Ordem dos Advogados do Brasil, do Ministério Público, do Conselho Penitenciário, do Conselho da Comunidade, do patronato, da autoridade administrativa, da Ouvidoria do Sistema Penitenciário, da Corregedoria do Sistema Penitenciário ou do médico que assiste o condenado que se enquadre nas situações previstas nos incisos X e XI do caput do art. 1º
§ 3º  O juízo da execução proferirá decisão após ouvir, nessa ordem, o Conselho Penitenciário, o Ministério Público e a defesa, excetuado o primeiro nas hipóteses contempladas nos incisos IX, X e XI do caput do art. 1º
§ 4º  A manifestação do Conselho Penitenciário de que trata o § 3º deverá ocorrer no prazo máximo de quinze dias, contado a partir da data do recebimento, no protocolo do órgão, de fotocópia ou cópia digital dos autos do requerimento de comutação de pena ou indulto, gozando este último de prioridade na apreciação. 
§ 5º  Havendo pedido de conversão em diligências ou vista, o prazo estabelecido no § 4º será prorrogado, impreterivelmente, por mais quinze dias, devendo-se comunicar o juízo. 

Art. 11.  Os órgãos centrais da administração penitenciária encaminharão, imediatamente, cópia deste Decreto às unidades penitenciárias e preencherão o quadro estatístico constante do modelo Anexo, devendo remetê-lo, até seis meses a contar da data de publicação deste Decreto, ao Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça. 
§ 1o  O Departamento Penitenciário Nacional manterá publicado, no seu portal da rede mundial de computadores, quadro estatístico, discriminado por gênero e unidade federativa, contendo as informações sobre a quantidade de pessoas favorecidas por este Decreto. 
§ 2o  O cumprimento do disposto no caput será fiscalizado pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e pelo Departamento Penitenciário Nacional, e verificado nas oportunidades de inspeção ou de estudo de projetos lastreados em recursos do Fundo Penitenciário Nacional - FUNPEN. 

Art. 12.  Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. 
Brasília, 21 de dezembro de 2011; 190º da Independência e 123º da República. 
DILMA ROUSSEFF
José Eduardo Cardozo
Este texto não substitui o publicado no DOU de 22.12.2011 
ANEXO 
INDULTO DE NATAL 2011 
MOTIVOS DETERMINANTES DA CONDENAÇÃO
BENEFICIADOS PELOS ARTIGOS
1o
2o

MASC.
FEM.
MASC.
FEM.
1-CRIMES CONTRA A PESSOA




     HOMICÍDIO




     LESÕES CORPORAIS




     OUTROS




2-CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO




     FURTO




     ROUBO




     EXTORSÃO




     ESTELIONATO




     OUTROS




3-CRIMES CONTRA OS COSTUMES




     TODOS




4-CRIMES CONTRA A PAZ PÚBLICA




     TODOS




5-CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA




     TODOS




6-CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA




     TODOS




TOTAL





quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Entre proibicionismos e condutas sociais

Depois de mais um longo e tenebroso inverno sem passar por aqui, em meio a provas finais, processos de seleção de Doutorado, término de monografias e muito trabalho, retomo o blog, provocada por algumas monografias lidas nos últimos dias, e por esta notícia do STJ: a Sexta Turma entendeu, recentemente, que, apesar da descriminalização do uso de drogas, realizada pela alteração promovida pela Lei 11.343/2006, a prática pode configurar "maus antecedentes".

A discussão sobre os termos "conduta social", "personalidade" e "maus antecedentes" é antiga. Na minha dissertação tratei um um pouco deste tema, abordando as hipóteses de aplicação destes conceitos em relação aos crimes contra o patrimônio e contra a administração pública. Percebi que se trata de uma aplicação velada de discursos moralistas e punitivos a práticas que o próprio Direito Penal já desconsiderou.

No entanto, o habitus moralista está presente em todas as discussões sobre uso de drogas. Em monografias recentemente defendias na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), Uiára Cerqueira  e Bruna Parente abordaram esta questão, mostrando, em pesquisas empíricas, como a aplicação da Lei de Drogas se volta, agora, ao pequeno traficante, semelhante conclusão a que chegou o NEV-USP, que analisa o sistema de justiça criminal e as prisões provisórias aplicadas a estes traficantes.

Com este retrato, pergunto: a descriminalização de condutas é suficiente para mudar o viés punitivo do sistema de justiça criminal? O que precisamos fazer para mudar este panorama? O juiz é habilitado a analisar a "conduta social", considerar o uso de entorpecentes como "maus antecedentes"? Precisamos mesmo deste viés moralista no momento de aplicação da pena - seja nos crimes contra o patrimônio ou na questão do uso/tráfico de drogas?? Onde está o tal afastamento entre Direito e Moral, que aprendemos no primeiro semestre de graduação?

Por isso, reafirmo a importância de analisar os discursos: legislativos, judiciais, acadêmicos, de todos aqueles que têm interesse nas ciências penais. Análise crítica, porém sem julgamento moral. Será que os juízes conseguem fazê-la?


terça-feira, 15 de novembro de 2011

7ª Edição do Programa de Intercâmbio SAL-SAJ

Estão abertas, até o dia 4 de dezembro, as inscrições para a 7ª Edição do Programa de Intercâmbio SAL-SAJ. Organizado pela Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça em parceria com a Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil, por meio do Centro de Estudos Jurídicos, o Programa de Intercâmbio tem como objetivo mostrar o funcionamento do processo de elaboração dos atos normativos pelos Ministérios e a tramitação de projetos de lei no Congresso Nacional.

A Secretaria de Assuntos Legislativos, ligada ao Ministério da Justiça, é responsável pela análise de projetos de lei de iniciativa do Poder Executivo, nas mais diversas áreas, além de acompanhar o processo de elaboração normativa no Congresso Nacional, nos projetos de iniciativa da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. A Subchefia para Assuntos Jurídicos, ligada à Casa Civil, é responsável pela análise final (formal e de constitucionalidade) dos Projetos de Lei e atos de iniciativa de todo o Poder Executivo federal.  Além disso, é responsável pela análise de sanções e vetos presidenciais.

O objetivo geral do Programa de Intercâmbio é colaborar para a democratização do processo legislativo, 
estreitando os laços entre órgãos do Executivo que atuam nesse processo e estudantes universitários. A 
relação dialógica estabelecida qualifica e potencializa o trabalho desenvolvido por esses órgãos e contribui 
para a formação acadêmica dos estudantes dos cursos de graduação em Direito e de outras Ciências 
Sociais Aplicadas. 

Em 2012, o Programa de Intercâmbio chegará à 7ª edição, selecionando 12 (doze) estudantes de Direito, Sociologia, Antropologia, História, Ciência Política, Ciências do Estado, Relações Internacionais, Gestão Pública, Comunicação, Economia, Administração e outras Ciências Sociais Aplicadas. Durante duas semanas, os intercambistas participarão de um Curso de Elaboração Normativa, desenvolverão projetos de interesse das Secretarias envolvidas e farão visitas a órgãos da Administração Pública dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Trata-se de uma oportunidade bastante interessante para conhecer o funcionamento da Administração Pública Federal. A íntegra do edital pode ser acessada aqui.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Costa-Gravas e a Justiça


O estudante de Direito, logo nas suas primeiras aulas do primeiro semestre, discute a diferença entre a justiça e a lei e aprende que nem tudo o que é justo está na lei e, principalmente, nem tudo que se torna lei é justo. Rui Barbosa já tratou do arbítrio das “razões de Estado” em detrimento da lei, chegando à conclusão de que, em caso de desequilíbrio, “a escola da força desencadeia a maior das calamidades”.

O filme “Seção Especial de Justiça”, de Costa-Gravas, é excelente para promover uma série de discussões no campo do Direito. Pode-se pensar na devida importância do princípio da legalidade na sociedade – às vezes tão óbvio e, por isso, tão difícil de se visualizar. A ausência deste princípio, em matéria penal, significa a impossibilidade de se aplicar qualquer sanção.

Além da análise dos princípios, o filme nos permite fazer uma discussão: quem faz as leis? Quais os princípios políticos são preponderantes no momento da redação de uma lei?

Roberto Lyra Filho, em seu tradicionalíssimo O que é Direito, já dizia que, “[...] se o Direito é reduzido à pura legalidade, já representa a dominação ilegítima, por força desta mesma suposta identidade; e este ‘Direito’ passa, então, das normas estatais, castrado, morto e embalsamado, para o necrotério duma pseudociência, que os juristas conservadores, não à toa, chamam de ‘dogmática’.” (LYRA FILHO, 1990, p. 118)

O filme mostra o uso de uma frase de Pierre Chesnelong, “quando o mal tem todas as audácias, o bem deve ter todas as coragens”. Mas quem define “bem” e “mal”? O filme traz algumas destas reflexões. A obra de Costa-Gravas ainda expõe os rituais litúrgicos da justiça, a (falta de) relação entre réus e advogados, e a diferença entre questões “de justiça” e “estritamente jurídicas”, no contexto europeu dos anos 1940. Vale muito a pena assisti-lo.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Agência Câmara - Reforma do Código Penal


Estudo mostra que projetos sobre penas mais duras geram distorções


Para relator, propostas em análise na Câmara sobre segurança pública criam uma desproporção: crimes leves são punidos de forma muito severa, enquanto as condutas graves implicam sanções mais brandas.
Arquivo/ Saulo Cruz

Molon defende penas alternativas para crimes leves.

Estudo aponta que propostas sobre segurança pública em tramitação na Câmara buscam penas mais rigorosas para crimes. Elaborado pela Fundação Getúlio Vargas e pelo Ministério da Justiça, o trabalho “Análise das justificativas para a produção de normas penais” pesquisou 100 projetos de lei entre 1988 e 2006 e identificou que a maioria tipifica novos crimes e endurece as sanções. No total, são 837 propostas de alterações legais – só quatro delas foram na direção oposta, de diminuir penas ou descriminalizar condutas.

O documento foi apresentado à Subcomissão Especial de Crimes e Penas. O objetivo é contribuir com o trabalho do grupo que discute a proporcionalidade das sanções no Código Penal (Decreto-lei 2.848/40). Segundo Luiz Antônio Bressane, que coordenou o estudo do ministério para ajudar nos debates do Legislativo, a percepção de impunidade por parte da sociedade muitas vezes leva os deputados a propor um endurecimento das penas, o que pode gerar distorções.

Sanções desproporcionais
O relator da subcomissão, deputado Alessandro Molon (PT-RJ), avalia que o documento demostra que o Parlamento realmente tem tratado a questão penal de forma equivocada. A reforma pontual, agravando a pena de um único crime, piora o sistema penal brasileiro na opinião do relator, porque cria uma desproporção: crimes leves com penas duras, e crimes gravíssimos com sanções leves.

“Isso tem que acabar. A cada crime de grande repercussão na imprensa, um parlamentar aumenta a pena desse ou daquele crime. Por isso, queremos olhar para o Código Penal como um sistema e adequar as punições à gravidade das condutas”, explicou.

Entre os exemplos citados de crimes cujas penas são desproporcionais, está o de falsificação de remédios ou cosméticos, que pode levar de 10 a 15 anos de prisão, enquanto o homicídio simples tem pena de 6 a 20 anos de cadeia.

Penas alternativas
Outro ponto levantado pelo estudo é o de que a pena proposta nos projetos é sempre a prisão. Molon defende penas alternativas para algumas condutas. Em sua opinião, é preciso estabelecer uma relação entre o crime praticado, o dano causado à sociedade, e a pena alternativa a que a pessoa será condenada. "No caso de um indivíduo que destrói o patrimônio público, mais interessante do que prendê-lo, é obrigá-lo a restituir o erário. Obrigá-lo a consertar, varrer uma rua, pintar uma escola, servir num hospital, trabalhar como voluntário no resgate de pessoas que sofreram acidentes”, disse.

Molon deve apresentar seu relatório sobre a proporcionalidade das penas no fim do ano. Antes disso, a subcomissão vai promover três seminários para debater o tema. Na segunda-feira (7), em Recife; no dia 21, em Curitiba; e no dia 12 de dezembro, em Brasília.

Insignificância
Outro estudo foi apresentado à subcomissão pela pesquisadora Ana Carolina Oliveira, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). É possível que o colegiado estabeleça no Código Penal o princípio da insignificância – medida defendida pela estudiosa. Na opinião de alguns juristas, certos crimes praticados são de tão baixo potencial ofensivo ou sem nenhuma periculosidade que não deveriam iniciar um processo.

É o caso de furtos de valores muito pequenos, de comida, produtos de higiene ou ferramentas de trabalho. Segundo Ana Carolina, casos famosos como o de uma pessoa presa por dois anos pelo furto de R$ 7 enquanto aguarda julgamento ensejam habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF), e têm entrado para a jurisprudência, que apoia a insignificância de alguns crimes.

De acordo com a pesquisadora, outro parâmetro é a Lei 11.033/04, que estabeleceu que a execução fiscal de débitos da dívida ativa com a União só serão levados à Justiça a partir do valor de R$ 10 mil. “Se uma lei admite que é mais caro processar do que perseguir uma sonegação, devemos levar em conta se a perseguição de um crime vale à sociedade o quanto se procura reparar”, afirmou.

O estudo da FGV pode ser acessado aqui.

domingo, 30 de outubro de 2011

Universidade e Segurança Pública: a PM no Campus


Depois de uma longa e tenebrosa primavera, cheia de provas, monografias, projeto(s) de Doutorado e reposições, retomo o blog, com texto próprio, como há tempos não escrevia.

Muito se falou esta semana sobre a atuação da Polícia Militar nos campi de universidades públicas. Primeiro, por causa da USP, que tomou a decisão de firmar um convênio com a Polícia Militar, para que esta aumente a segurança no campus. Outra notícia que deu o que falar, esta semana, foi a vitória da chapa “Aliança pela Liberdade” nas eleições do DCE-UnB, que tem como uma de suas principais propostas o aumento na segurança, com a atuação da PM também.

Créditos: R7
A discussão sobre este assunto tem tomado proporções quase ridículas: alunos da USP postam em seus perfis no Facebook “eu sou a maioria, eu quero a PM no Campus”/ “eu não sou maconheiro, não tenho medo da polícia #FicaPM”; outros fazem protestos, empunhando livros de Karl Marx sobre os policiais. Na UnB, o problema atual é de representação da chapa vencedora do DCE: discute-se que, se tivesse havido um segundo turno (hipótese não prevista no regulamento destas eleições), a situação seria diferente.

A relação entre PM e Universidade sempre foi tensa, especialmente na UnB. Após a ditadura militar, a presença policial no campus tornou-se sinal de autoritarismo e privação da liberdade de expressão, de livre manifestação. Para mim, trata-se de preocupação legítima. No entanto, a ausência dos policiais, que devem fazer seu trabalho básico – promover a segurança pública da comunidade acadêmica – acabou por tornar a UnB um ambiente cada vez mais propício a furtos, roubos, seqüestros-relâmpagos, estupros.

Há uma série de causas que podem ser discutidas para pensarmos no aumento da criminalidade na UnB; trata-se de um problema complexo que, obviamente, merece uma solução complexa. E estas soluções, infelizmente, não são abordadas nem por “direita” nem por “esquerda” (tenho dúvida sobre a manutenção destes rótulos hoje)...

Particularmente, não sou contra a PM no campus, especialmente na UnB, que tem em sua Reitoria um Professor fortemente comprometido com ideais democráticos e libertários. Qualquer abuso da Polícia Militar, no sentido de violar os direitos constitucionais de livre manifestação do pensamento e de expressão, será fiscalizado e punido. No entanto, é preocupante ver que, entre direita e esquerda não há diferença quando o assunto é segurança pública: ninguém pergunta que polícia queremos no campus... a questão se resume a “sim” ou “não”, com estereótipos claros: os “mauricinhos” não querem ver seus carros roubados, os “maconheiros” querem fumar seus baseados em paz, de preferência no “corredor da morte”.

Como já disse no Twitter, estava com preguiça deste assunto, exatamente pela falta de profundidade em sua abordagem; porém, resolvi entrar nela apenas para colaborar um pouco... depois de uma troca de e-mails bastante rasa no grupo da Pós, em que se discutia  o papel da UnB – para que ela teria sido criada, se seus ideais sempre foram de esquerda ou não - , resolvi ir à fonte, lendo “Universidade para quê?”, do Darcy Ribeiro. Trata-se de uma jóia, um texto escrito em 1985, quando o agora Senador Cristovam Buarque tomava posse como Reitor da UnB, assumindo o compromisso de reerguê-la, no processo de abertura democrática do Brasil.

Neste texto, Darcy discorre sobre toda a história de fundação da UnB mas, sobretudo, reaviva seus valores: “[...] o desafio que se coloca diante de vocês, meus queridos colegas, meus queridos estudantes da Universidade de Brasília, é perguntar: Universidade de Brasília, para quê? Universidade de Brasília, para quem? O Brasil precisará de mais uma universidade conivente?” (RIBEIRO, 1986, p. 9).

Esta é a mesma pergunta que devemos nos fazer quando o assunto é segurança pública no campus: polícia militar na Universidade de Brasília, para quê? Para quem? A UnB precisa de mais uma instância formal de controle que reproduza a mesma seletividade de sua atuação fora do campus?

A proposta, então, é refletir sobre os modelos de segurança pública existentes e deixar que a comunidade acadêmica – formada por professores, funcionários, estudantes e cidadãos que freqüentam a UnB como usuários de seus serviços destinados à população – discuta, de fato, em que a PM pode contribuir para melhorar a segurança pública no campus, definindo, principalmente, em quais circunstâncias a PM não deverá atuar.

Temos gente no Direito, na Sociologia e na Antropologia, apenas para citar alguns, que estudam fortemente os modelos e problemas da segurança pública. Que tal ouvi-los antes de qualquer proposta? Que tal formar um modelo voltado à Universidade de Brasília? Mais uma vez, volto a Darcy, que disse que “uma universidade se faz com multiplicadores”. Seremos multiplicadores de um modelo de segurança pública obsoleto?

Assim, a atuação da PM no campus deve se limitar à segurança do patrimônio e da integridade física de todos os membros da comunidade acadêmica. E só. Não deve impedir manifestações pacíficas, ocupações de salas para fins de reivindicações, nada disso. Voltando a Darcy, “nesta Universidade, ninguém, professor ou aluno, será punido ou premiado, jamais, por sua ideologia. É o princípio do respeito recíproco, da tolerância, da liberdade docente. É preciso que a esquerda, agora reintegrada em seus direitos, não faça o que fazia a direita: não comece a ser intolerante. A tolerância é condição essencial da vida universitária.” (RIBEIRO, 1986, p. 22).

Faço, então, uma proposta: vamos compor audiências públicas no campus, para tratar deste assunto? Vamos discutir modelos de segurança pública voltados à polícia cidadã? Vamos tentar incluir policiais que conheçam a realidade do campus neste projeto? Vamos substituir o maniqueísmo por pluralismo? Pelo que entendi até agora, era isto que Darcy queria para a universidade que deveria ser a "casa da crítica", livre e inclusiva. E é por esta liberdade que todos os estudantes se aproximam e se encantam pela Universidade de Brasília. Esse sentimento de pertencimento, de “ser UnB”, passará sempre pelo diálogo. Senão, não é "coisa da UnB". Vamos, então, lutar por um novo modelo de segurança pública no campus e na sociedade?