segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Audiência pública discutirá nova redação para o Título dos crimes contra a vida, do Código Penal


Fonte: IBCCrim



A Comissão de Reforma do Código Penal, instituída pelo Senado Federal, e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) irá promover no dia 24 de fevereiro audiência pública para discutir a proposta do capítulo dos "Crimes contra a vida" do anteprojeto do novo código penal. A audiência pública acontecerá às 14 horas no “Salão dos Passos Perdidos”, localizado no 2ª andar do Palácio da Justiça. A participação será livre.

Certamente há muitos ajustes a serem feitos, inclusive para contribuir à resolução dos nossos inúmeros problemas carcerários.

Isso exige uma reforma coordenada do Código, como a que é proposta.

Homicídio

As alterações buscam incluir a forma qualificada de homicídio àquelas que hoje são denominados como homicídio qualificado, acrescentando como forma qualificada aqueles que pratiquem crimes por preconceito de raça, cor, etnia, orientação sexual, deficiência física ou mental, condição de vulnerabilidade social, religião, origem, procedência nacional ou em contexto de violência doméstica ou familiar contra a mulher e por dois ou mais agentes que atuem com a finalidade de extermínio de pessoas.

A mudança prevê também a alteração da pena do crime de homicídio culposo, que antes era de um a três anos, com a nova redação passaria a ser de dois a quatro anos. Acrescentando ainda a tal modalidade da Culpa gravíssima nas hipóteses em que as circunstâncias do fato demonstrarem que o agente não quis o resultado morte, nem assumiu o risco de produzi-lo, mas agiu com excepcional temeridade, a pena nestes casos poderá variar de quatro a seis anos de reclusão. Ainda prevendo o aumento até a metade nas referidas hipóteses: se o agente deixar de prestar socorro à vítima, quando possível e sem risco à sua pessoa ou de terceiro;não procura diminuir as consequências do crime ou quando violar regras sobre a prevenção de acidentes do trabalho.

Por fim, no que se refere ao homicídio culposo, a proposta dedica parágrafo próprio, explicitando as hipóteses de isenção de pena, onde o juiz deixará de aplicar a pena, se a vítima for ascendente, descendente, cônjuge, companheiro, irmão ou pessoa com quem o agente esteja ligado por estreitos laços de afeição ou quando o próprio agente tenha sido atingido, física ou psiquicamente, de forma comprovadamente grave, pelas consequências da infração. A proposta reduz o poder de discricionariedade do juiz, deixando de forma taxativa as hipóteses de isenção.

Eutanásia

A proposta vem polemizar criando uma nova figura no Código Penal, da Eutanásia nas hipóteses em que o agente matar, por piedade ou compaixão, paciente em estado terminal, imputável e maior, a seu pedido, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável em razão de doença grave, podendo a pena, neste caso de Detenção, variar de dois a quatro anos.

O tipo penal prevê em seu parágrafo primeiro, casos em que o juiz deixará de aplicar a pena quando avaliar as circunstâncias do caso, bem como a relação de parentesco ou estreitos laços de afeição do agente com a vítima.

A mudança também prevê a exclusão da ilicitude ao crime de eutanásia, nas hipóteses em que o agente deixar de fazer uso de meios artificiais para manter a vida do paciente, quando a doença grave for irreversível, e desde que essa circunstância esteja previamente atestada por dois médicos e haja consentimento do paciente, ou, na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão.

Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio.

Nessa parte, a mudança se faz pontualmente no que se refere as penas, prevendo a alteração nos casos em que o suicídio se consuma ou resulta lesão corporal grave, neste casos a pena poderá variar de um a quatro anos, sendo que na atual redação a pena varia de um a três anos

O que hoje é permitido para que se duplicasse a pena, com as novas possíveis alterações poderá variar de um terço até a metade nas hipóteses em que o crime for cometido por motivo egoístico, contra criança ou adolescente ou contra quem tenha a capacidade de resistência diminuída, por qualquer causa.

Infanticídio

As mudanças sugeridas nesse ponto referem-se a exclusão da figura do coautor e partícipe, bem como a diminuição da pena máxima prevista atualmente de seis para quatro anos.

Aborto

A maioria das alterações sugeridas no que se refere ao crime de aborto, também pontuam no campo das penas, podemos concluir que as propostas referentes ao aborto, feito com o consentimento da gestante, diminuirá consideravelmente, propondo-se um abrandamento. Já na hipótese de aborto provocado por terceiro, o tipo penal que previa reclusão de três a dez anos, passará a ser detenção de seis meses há dois anos. A proposta também visa alterar o crime de aborto provocado pela própria gestante ou com seu consentimento, que diminuiria significativamente para seis meses a dois anos.

Já a proposta para o aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante haverá um endurecimento, visto que a pena mínima passaria de três para quatro anos, podendo ser aumentada de um terço, se em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante vier a sofrer lesão corporal de natureza grave; e duplicada, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte, revogando-se dessa maneira o artigo 127 do Código Penal de 1941, aplicando-se a regra do concurso de crimes para o tipo do art.126 (aborto consentido).

Por fim, polemizando ainda mais, a proposta acrescenta duas novas hipóteses de exclusão do crime de aborto para quando comprovada a anencefalia ou quando o feto padecer de graves e incuráveis anomalias que inviabilizem a vida independente, em ambos os casos atestados por dois médicos, por vontade da gestante até a 12ª semana da gestação ou quando o médico constatar que a mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade.

De acordo com o procurador regional da República Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, relator da comissão instituída pelo Senado para elaboração do anteprojeto, o evento é uma oportunidade de mostrar as mudanças propostas e ouvir a população sobre os crimes contra a vida (homicídio, eutanásia, aborto, etc.). Para fazer uso da palavra durante a audiência é preciso se cadastrar com antecedência por meio do Formulário de Inscrição (clique aqui para acessá-lo).

No site da PRR-3 é possível conhecer as mudanças que serão discutidas. Basta clicar no banner da audiência, acessando o endereçowww.prr3.mpf.gov.br .Mais informações podem ser obtidas ainda pelo telefone (11) 2192-8873 ou do email crimescontraavida@prr3.mpf.gov.br.

(clique aqui para acessar a proposta de alteração)

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

A "evolução" das ciências penais


Com o reinício das aulas, o blog será retomado para a discussão de aspectos interessantes / atuais das ciências penais. Tentarei atualizá-lo com uma certa regularidade.

Sempre inicio as aulas da Parte Especial do Código Penal com uma breve introdução, para lembrar aos alunos do antigo-novo-sempre-revisitado “modelo das ciências penais integrais”, de Franz von Liszt, que separa, para depois unificar, Criminologia, Política Criminal e Direito Penal.

A Criminologia, dentre tantos pensamentos – desde a chamada “Escola Clássica” à Criminologia da Reação Social e, atualmente, à Criminologia Cultural –, preocupa-se com fatos, com momentos vividos individual ou coletivamente. A Criminologia não se deixa mais levar por argumentos de cunho essencialmente biológico, ou fundamentos sociológicos pouco práticos. A Criminologia, para continuar fazendo a diferença, deve expor um diagnóstico e, também, desenvolver propostas, e caminhos para outra direção que não a simples e seletiva punição. Veio em boa hora a tradução, por Salo de Carvalho, de um ótimo artigo de Jeff Ferrell, chamado "Morte ao método". Vale a pena a sua leitura.

A Política Criminal, com tantos “movimentos”, pode trazer perspectivas mais libertárias, como o Abolicionismo, ou mais duras, como o Direito Penal do Inimigo e os movimentos de Lei e Ordem (sobre eles, o artigo de Moysés Pinto Neto vai ao ponto).

Por fim, chega-se ao Direito Penal: esse emaranhado de normas constitucionais e legais, para não trazer a discussão anterior à norma (o processo legislativo e suas intensas tomadas de decisão) e posterior à positivação, com a análise do Poder Judiciário sobre a constitucionalidade, a ilegalidade ou “adequação” da norma.

Sobre este último ponto, segue uma notícia do sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal, que dá conhecimento sobre um julgamento de Habeas Corpus interposto pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, a respeito da Lei nº 12.258/2009. O HC foi arquivado porque o pedido era relativo aos “saidões” do Natal de 2010 e do Ano Novo de 2011; porém, a Defensoria ainda se utilizava de um fundamento pela desproporcionalidade da medida, pois “a regra imporia uma situação mais gravosa aos presos e, por isso, não poderia retroagir para alcançar aqueles que cometeram crimes antes da entrada em vigor da lei, em 2010”.

Apesar das razões práticas para o arquivamento – decurso de tempo e revogação das portarias que concederam o “saidão” –, o Relator, Ministro Lewandowski, argumenta, segundo a notícia, que é possível discutir a inconstitucionalidade de um dispositivo legal por HC, desde que esta discussão tenha passado antes pelas instâncias anteriores.

Algumas coisas são passíveis de análise neste caso: em primeiro lugar, a louvável atuação da Defensoria Pública, preocupada em discutir aspectos constitucionais referentes à aplicação do monitoramento eletrônico de presos; em segundo lugar, a disposição dos Ministros da Segunda Turma em discutir a questão, ainda que o caso já tivesse fundamentos mais simples para julgamento. Por último, ressalte-se a declaração do Ministro Lewandowski (reproduzo notícia do site oficial e, portanto, confio em sua fidedignidade):

“É uma solução hoje adotada nos países mais avançados do ponto de vista democrático. Daquela bola de ferro com a corrente que os presos arrastavam até a tornozeleira eletrônica houve um importante avanço”, acrescentou o ministro Ricardo Lewandowski, relator do processo.

Será que é isso que queremos???? Um “importante avanço”, das bolas de ferro às tornozeleiras eletrônicas?? Em 300 anos de “Direito Penal Moderno”, evoluímos para isto? É suficiente, necessário, correto?

Tendo a dizer que não. Nossa Constituição não nos permite apenas isto; permite uma defesa ferrenha da integridade e dignidade humanas, ainda que por meio do Direito Penal em alguns casos.

Por um lado, posicionamentos como este desanimam quem pensa em soluções diferentes ao sistema de justiça; por outro, podem animar quem pensa diferente a insistir em teses pautadas na interpretação constitucional, na defesa dos direitos humanos.