domingo, 30 de outubro de 2011

Universidade e Segurança Pública: a PM no Campus


Depois de uma longa e tenebrosa primavera, cheia de provas, monografias, projeto(s) de Doutorado e reposições, retomo o blog, com texto próprio, como há tempos não escrevia.

Muito se falou esta semana sobre a atuação da Polícia Militar nos campi de universidades públicas. Primeiro, por causa da USP, que tomou a decisão de firmar um convênio com a Polícia Militar, para que esta aumente a segurança no campus. Outra notícia que deu o que falar, esta semana, foi a vitória da chapa “Aliança pela Liberdade” nas eleições do DCE-UnB, que tem como uma de suas principais propostas o aumento na segurança, com a atuação da PM também.

Créditos: R7
A discussão sobre este assunto tem tomado proporções quase ridículas: alunos da USP postam em seus perfis no Facebook “eu sou a maioria, eu quero a PM no Campus”/ “eu não sou maconheiro, não tenho medo da polícia #FicaPM”; outros fazem protestos, empunhando livros de Karl Marx sobre os policiais. Na UnB, o problema atual é de representação da chapa vencedora do DCE: discute-se que, se tivesse havido um segundo turno (hipótese não prevista no regulamento destas eleições), a situação seria diferente.

A relação entre PM e Universidade sempre foi tensa, especialmente na UnB. Após a ditadura militar, a presença policial no campus tornou-se sinal de autoritarismo e privação da liberdade de expressão, de livre manifestação. Para mim, trata-se de preocupação legítima. No entanto, a ausência dos policiais, que devem fazer seu trabalho básico – promover a segurança pública da comunidade acadêmica – acabou por tornar a UnB um ambiente cada vez mais propício a furtos, roubos, seqüestros-relâmpagos, estupros.

Há uma série de causas que podem ser discutidas para pensarmos no aumento da criminalidade na UnB; trata-se de um problema complexo que, obviamente, merece uma solução complexa. E estas soluções, infelizmente, não são abordadas nem por “direita” nem por “esquerda” (tenho dúvida sobre a manutenção destes rótulos hoje)...

Particularmente, não sou contra a PM no campus, especialmente na UnB, que tem em sua Reitoria um Professor fortemente comprometido com ideais democráticos e libertários. Qualquer abuso da Polícia Militar, no sentido de violar os direitos constitucionais de livre manifestação do pensamento e de expressão, será fiscalizado e punido. No entanto, é preocupante ver que, entre direita e esquerda não há diferença quando o assunto é segurança pública: ninguém pergunta que polícia queremos no campus... a questão se resume a “sim” ou “não”, com estereótipos claros: os “mauricinhos” não querem ver seus carros roubados, os “maconheiros” querem fumar seus baseados em paz, de preferência no “corredor da morte”.

Como já disse no Twitter, estava com preguiça deste assunto, exatamente pela falta de profundidade em sua abordagem; porém, resolvi entrar nela apenas para colaborar um pouco... depois de uma troca de e-mails bastante rasa no grupo da Pós, em que se discutia  o papel da UnB – para que ela teria sido criada, se seus ideais sempre foram de esquerda ou não - , resolvi ir à fonte, lendo “Universidade para quê?”, do Darcy Ribeiro. Trata-se de uma jóia, um texto escrito em 1985, quando o agora Senador Cristovam Buarque tomava posse como Reitor da UnB, assumindo o compromisso de reerguê-la, no processo de abertura democrática do Brasil.

Neste texto, Darcy discorre sobre toda a história de fundação da UnB mas, sobretudo, reaviva seus valores: “[...] o desafio que se coloca diante de vocês, meus queridos colegas, meus queridos estudantes da Universidade de Brasília, é perguntar: Universidade de Brasília, para quê? Universidade de Brasília, para quem? O Brasil precisará de mais uma universidade conivente?” (RIBEIRO, 1986, p. 9).

Esta é a mesma pergunta que devemos nos fazer quando o assunto é segurança pública no campus: polícia militar na Universidade de Brasília, para quê? Para quem? A UnB precisa de mais uma instância formal de controle que reproduza a mesma seletividade de sua atuação fora do campus?

A proposta, então, é refletir sobre os modelos de segurança pública existentes e deixar que a comunidade acadêmica – formada por professores, funcionários, estudantes e cidadãos que freqüentam a UnB como usuários de seus serviços destinados à população – discuta, de fato, em que a PM pode contribuir para melhorar a segurança pública no campus, definindo, principalmente, em quais circunstâncias a PM não deverá atuar.

Temos gente no Direito, na Sociologia e na Antropologia, apenas para citar alguns, que estudam fortemente os modelos e problemas da segurança pública. Que tal ouvi-los antes de qualquer proposta? Que tal formar um modelo voltado à Universidade de Brasília? Mais uma vez, volto a Darcy, que disse que “uma universidade se faz com multiplicadores”. Seremos multiplicadores de um modelo de segurança pública obsoleto?

Assim, a atuação da PM no campus deve se limitar à segurança do patrimônio e da integridade física de todos os membros da comunidade acadêmica. E só. Não deve impedir manifestações pacíficas, ocupações de salas para fins de reivindicações, nada disso. Voltando a Darcy, “nesta Universidade, ninguém, professor ou aluno, será punido ou premiado, jamais, por sua ideologia. É o princípio do respeito recíproco, da tolerância, da liberdade docente. É preciso que a esquerda, agora reintegrada em seus direitos, não faça o que fazia a direita: não comece a ser intolerante. A tolerância é condição essencial da vida universitária.” (RIBEIRO, 1986, p. 22).

Faço, então, uma proposta: vamos compor audiências públicas no campus, para tratar deste assunto? Vamos discutir modelos de segurança pública voltados à polícia cidadã? Vamos tentar incluir policiais que conheçam a realidade do campus neste projeto? Vamos substituir o maniqueísmo por pluralismo? Pelo que entendi até agora, era isto que Darcy queria para a universidade que deveria ser a "casa da crítica", livre e inclusiva. E é por esta liberdade que todos os estudantes se aproximam e se encantam pela Universidade de Brasília. Esse sentimento de pertencimento, de “ser UnB”, passará sempre pelo diálogo. Senão, não é "coisa da UnB". Vamos, então, lutar por um novo modelo de segurança pública no campus e na sociedade?

Um comentário:

  1. Concordo plenamente com você. Para que haja ingerência de uma instituição externa na UNB, necessário se faz ouvir quem de direito. Modelar e limitar essas ingerências é de suma importância para o perfeito andamento da vida acadêmica. Pois, a UNB e qualquer outra instituição que tem como papel a perpetuação e multiplicação do conhecimento e a formação do caráter democrático dos cidadãos tem o direito imanente da liberdade de expressão.

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