Reproduzo, aqui, um artigo da agora Defensora Pública Mônica de Melo, publicado no site do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública, que aborda uma discussão muito interessante sobre Direito Penal e Direito do Trabalho, além de mostrar como as instituições podem enfrentar, com seriedade, as consequências de crimes sexuais.
Estupro e Acidente de Trabalho
Mônica de Melo
Diretora do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública
Procuradora do Estado de São Paulo
Não é novidade que a mulher trabalhadora sofra violência em seu local de trabalho, às vezes praticada pelo próprio patrão, às vezes pelos outros "colegas", sem que o empregador tome quaisquer providências para garantir a segurança e não-discriminação no escritório, na fábrica, na loja etc.
Mas as coisas estão começando a mudar e de um jeito surpreendente. Acontece que, recentemente, um caso de estupro foi reconhecido como "acidente de trabalho", isto sim uma grande novidade.
O caso envolveu uma trabalhadora que foi estuprada pelo filho de seu ex-empregador, que a chamou para ir à Associação de Lojistas, que funcionava em frente ao seu local de trabalho, a pretexto de participarem de uma reunião para discutir marketing promocional. Ao chegar ao local ela percebeu que não havia ninguém, mas ele já havia trancado a porta, e ameaçando-a com um objeto que encostou em seu pescoço a obrigou a se despir e consumou o estupro.
Encorajada pelas colegas de loja, ela levou o caso à Delegacia de Defesa de Mulher, fez o exame de corpo de delito e o resultado acusou a presença de esperma, que foi conservado para servir de prova. Ela saiu do emprego e entrou com uma ação trabalhista contra a empresa. Além disso moveu uma ação penal contra o estuprador e civil para obter indenização por dano material e moral.
Apoiada e orientada pelas entidades feministas "União de Mulheres do Município de São Paulo e "Oficina dos Direitos da Mulher" essa trabalhadora sentiu-se fortalecida para buscar a reparação da violação de seus direitos nas áreas penal, civil, trabalhista e previdenciária.
E foi justamente nesta última, que ela obteve a sua mais recente vitória com o reconhecimento do estupro como acidente de trabalho, pois desde o ocorrido, ela tem sofrido sérios problemas de saúde e sem condições físicas e psíquicas, não conseguiu mais arrumar um emprego.
Para que sua situação fosse reconhecida como acidente de trabalho, ela esteve no Centro de Referência de Saúde do Trabalhador André Grabois (Região- Sé) onde foi muito bem atendida por um grupo formado de psicóloga, psiquiatra, ginecologista e equipe de vigilância. Foi feito um laudo de exame médico (LEM) e o Comunicado de Acidente do Trabalho (CAT), sendo assim, reconhecido pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), o acidente de trabalho. Como resultado o auxílio-doença acidentário tem sido pago, ajudando a diminuir os problemas que vem enfrentando por não ter mais conseguido trabalhar.
Relatamos esse caso pois o consideramos importante para poder mostrar às mulheres que se encontrarem em situação semelhante, que o direito prevê várias formas de enfrentar essa violência ocorrida no local do trabalho. É importante que as mulheres saibam de todos os recursos jurídicos que estão à disposição para a punição e reparação do mal que sofreram.
Denunciar o estupro não é uma decisão fácil. Muitas mulheres não o denunciam por vergonha, por medo ou porque não confiam na resposta do Estado, ou ainda temem ser acusadas de terem facilitado a situação. E isso não acontece à toa. Infelizmente não são poucos os casos em que a mulher, vítima de estupro, acaba sendo "investigada", para se saber se ela não "provocou" o estupro, porque usava saias curtas, era muito sedutora, estava andando sozinha fora de casa e outras coisas que, na cabeça de muitos homens, servem de desculpa para se cometer esse crime. E aí não é de estranhar que em alguns processos judiciais, apesar de todas as provas, o réu seja absolvido e a mulher transformada em "culpada".
Portanto é fundamental que as mulheres denunciem, busquem seus direitos e utilizem todos os meios jurídicos que estejam disponíveis. Só assim poderemos ter a esperança de construir uma sociedade na qual a mulher possa encontrar paz e segurança onde quer que se encontre.
Professora, por favor quando o estupro é no percurso do trabalho, ida ou retorno, como pode ser considerado acidente de trabalho?
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