Quando a rotina ficar muito puxada, reprisarei aqui alguns textos já publicados. É o caso deste, veiculado no Correio Braziliense, em 20 de julho deste ano.
Eram 25 homens empilhados, espremidos e esmagados de corpo e alma.
Plínio Marcos tem uma obra
extensa e contundente. Depois de “Barrela” (1958, reescrita em 1980, depois de
duas décadas censurada, por “conter muitos palavrões”), o autor retoma um
assunto sempre polêmico – a discussão sobre o sistema carcerário, sob a ótica dos
presos –, em “Inútil canto e inútil pranto pelos anjos caídos”, de 1977.
O grupo “Teatro do Concreto”, em
cartaz no CCBB até o dia 31 de julho, faz uma leitura cênica do conto “25
Homens”, parte da segunda obra citada acima. O texto escancara a realidade do
sistema penal. A angústia, o abandono, a autodestruição, a desorganização, a
falta de cumprimento das mínimas garantias constitucionais, a desumanidade de
uma cadeia, tudo autorizado e incentivado pelo Estado, para assegurar a defesa
e o bem-estar dos “cidadãos contribuintes”.
Não pretendo contar a peça e,
muito menos, criticá-la. Sou professora e não crítica teatral. Apenas vale
dizer que a concretude do texto de Plínio Marcos e a montagem deste jovem e
competentíssimo grupo provocam o mesmo incômodo que a primeira visita à cadeia provoca
aos alunos do curso de Direito, tão acostumados aos (quase) perfeitos textos
das leis penais. A sensação é de vergonha, incompreensão pela contradição à
teoria. Mas um contato direto com a realidade permite algumas reflexões: a
sociedade realmente pensa sobre o cárcere?
Quando um Promotor pede a prisão
de um réu, e o juiz aceita este pedido, privando alguém da liberdade por anos e
anos, sabe a que condições o ser humano condenado será submetido? A Lei de
Execução Penal prevê que o preso tem direito à assistência jurídica,
educacional, social, religiosa, material e à saúde, sempre que precisar.
Sabemos que a realidade não é essa. Presos morrem por falta de assistência
médica, ficam presos além do tempo fixado em suas condenações por falta de
assistência jurídica, não mantêm contato com suas famílias por falta de
assistência social... e os “homens de bem”, nas últimas semanas, esbravejam
porque “mais de 200 mil presos podem ser soltos no Brasil” com a edição da Lei nº 12.403/2011, sem pensar que temos, em nossa população carcerária, 44% de
presos provisórios, e muitas dessas medidas alternativas à prisão poderiam
mudar um pouco este quadro. Na prática, após a vigência da lei, não se viu nenhuma
“soltura geral” de presos, porque os pedidos dependem da ação de advogados e de
defensores públicos, seguidos de decisões judiciais que acolham tais pedidos. O
sistema processual penal é cheio de caminhos, às vezes burocráticos, e quase
sempre causadores de muito sofrimento a todos que com ele mantém qualquer
contato.
Os presos – provisórios ou
condenados – nunca são reconhecidos como cidadãos definitivos; são invisíveis,
desimportantes. Quando se revoltam e tomam algum espaço na sociedade, são
rapidamente contidos, com todo o apoio da sociedade, que insiste em
desconsiderar sua existência.
A peça, com toda a sua concretude
de texto e interpretação, nos traz uma pergunta: diante de tantos absurdos e
contradições, o que o “cidadão-contribuinte” pode fazer para mudar esta
realidade? Será que a sociedade, cultivando o senso comum de que a prisão é a
única alternativa de “ressocialização dos bandidos”, já visitou uma cadeia para
saber o que se passa lá dentro? A sociedade realmente se importa com as
péssimas condições a que os presos estão submetidos ou fica em posição
confortável ao saber que seres humanos são tratados de forma pior do que
animais, ou “bestas-feras”?
O texto, tão bem encenado, faz a
plateia sofrer e repensar sua posição perante a desumana situação do sistema
carcerário no Brasil. Recomendarei fortemente a peça a meus alunos, pois, para
além de códigos, leis e tantos conceitos jurídicos, é essencial que conheçam a
realidade e que assumam o compromisso de mudá-la.
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