sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Há um ano: a experiência da Caravana Internacional de Juristas

Dando início às "reprises de sexta", compartilho aqui um texto que escrevi inicialmente para uma publicação chamada "Constituição e Democracia". Por alguma razão não específica, o texto foi aprovado, mas nunca publicado. Segue, abaixo, com algumas atualizações.


De 23 a 29 de agosto de 2010, aconteceu na Colômbia a II Caravana Internacional de Juristas, organizada pela Associação de Coletivos de Advogados Defensores Eduardo Umaña Mendoza (ACADEUM), com o apoio de “Advogados Sem Fronteiras” (Lawyers Without Borders – Canadá), Associação Internacional de Juristas e Associação Americana de Juristas. Foi a segunda edição do evento: a primeira ocorreu em 2008, com cerca de 40 advogados. Em 2010, este número aumentou para 56. 
Os objetivos dos encontros eram: (i) verificar a situação do exercício da profissão da advocacia e as condições de vida dos defensores de direitos humanos na Colômbia; e (ii) discutir propostas para que a comunidade jurídica internacional possa colaborar com os advogados colombianos. A Colômbia não possui uma Ordem dos Advogados, como o Brasil, ou outro órgão nacional que represente e defenda os direitos dos defensores de direitos humanos.

Integrantes da Caravana que visitaram Cúcuta
Todos os juristas (professores, juízes, advogados) foram divididos em grupos, que visitaram diversas partes do país: Antioquia, Barranquilla, Bogotá (região Centro), Cartagena, Cáli, Cúcuta, Eje Cafetero, Medellín, San José de Apartado e Santa Marta. Tive a oportunidade de conhecer a cidade de Cúcuta, em Norte Santander (fronteira com a Venezuela), com mais sete profissionais de várias partes do mundo: Canadá, Irlanda, Inglaterra, Estados Unidos e Rússia.


Visitamos assentamentos de pessoas desabrigadas por conta da ocupação, pelo Exército colombiano, de terras dominadas pela guerrilha. São os chamados desplazados (ou “deslocados”, “desabrigados”, em português). Suas condições de vida remontam às nossas favelas, mas com um sentido político diferente. Como aqui, são pessoas esquecidas pelo Estado, mas lá há uma dupla exclusão: primeiramente, são expulsas de suas terras, na maioria dos casos, fincas (pequenas fazendas) produtivas; depois, são abandonadas ao redor das cidades, sem qualquer condição de moradia e trabalho. Em alguns casos, o governo dá um subsídio para o primeiro mês das famílias nas cidades (a chamada “ação social”, que é possível obter judicialmente), mas não há qualquer continuidade no apoio do Estado. Não há programas de renda mínima, moradia, emprego e educação para esta (grande) parcela da população. Na região de Norte Santander, calcula-se que há 80 mil desplazados


Segundo o Relatório da ONU, os refugiados internos já passaram de 3 milhões em toda a Colômbia. Impressionaram também os relatos de parentes das vítimas de grupos paramilitares (narcotraficantes ou membros das bandas criminales) e do Exército Colombiano. Advogados ameaçados no exercício de sua profissão, membros dos “Coletivos de Advogados”, contaram que, em muitos casos, são diretamente relacionados a seus clientes. A estigmatização é crescente.


Em 2005, no Governo Uribe, entrou em vigor a Lei nº 975, que instituiu um sistema denominado “Justicia y Paz”. Mas o que se viu não se aproxima nem de justiça, nem de paz. Os procedimentos se resumem ao pagamento de uma indenização àqueles que cumprem os requisitos da lei – que inclui a confissão dos crimes pelos paramilitares e a decadência de 2 (dois) anos para o ajuizamento da ação. Os réus são condenados a penas que variam de 5 a 8 anos de reclusão, sem concurso material. Há um caso de um só réu que já teria confessado mais de 600 (seiscentos) crimes, e receberá a pena máxima de 8 anos. Escutamos opiniões de que este sistema fortalece a guerrilha, pois, na estrutura cruel de uma organização criminosa, se um membro “de baixo escalão” confessar crimes de outros, ganhará o respeito dos demais, além de ficar pouco tempo no cárcere. As vítimas não estão satisfeitas, pois a reparação é meramente financeira, sem cumprir seus três fundamentos: verdade, justiça e reparação. Só há o resultado final, mas sem o esclarecimento da verdade (por que os entes queridos foram mortos) e sem justiça (punição dos responsáveis por crimes de lesa humanidade).

Depois das visitas às cidades, os juristas se reuniram em Bogotá para compartilhar experiências e elaborar propostas. Novos grupos foram formados, e nos reunimos com várias instituições nacionais: Vice-Presidência da República, Defensoria Nacional del Pueblo, Fiscalía General de la Nación, e Embaixadas de países que auxiliaram na organização do evento. Tive a oportunidade de participar da reunião com o Vice-Presidente da República, Angelino Garzón, que tomou posse em agosto, junto com o atual Presidente, Juan Manuel Santos. 

De acordo com o art. 202 da Constituição Colombiana, o Presidente pode designar ao vice “encargos ou missões especiais” e, por isso, o Vice está encarregado das questões relativas à defesa dos direitos humanos no país. Garzón se mostrou comprometido com a melhoria da situação do país e com a solução de alguns casos concretos por nós relatados, mas creio que o compromisso não pode ser unicamente pessoal, particularizado aos casos que reportamos. 

A situação requer uma posição mais firme de todas as autoridades nacionais e, principalmente, de observação internacional, para viabilizar a defesa dos direitos humanos e o fim da guerra civil que assola o país há mais de 50 anos. 

Confira aqui o relatório final da Caravana, lançado simultaneamente em Bogotá, Québec e Londres, em julho deste ano. A próxima edição da Caravana realizar-se-á em 2012.

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