Depois de uma longa e tenebrosa
primavera, cheia de provas, monografias, projeto(s) de Doutorado e reposições,
retomo o blog, com texto próprio, como há tempos não escrevia.
Muito se falou esta semana sobre
a atuação da Polícia Militar nos campi
de universidades públicas. Primeiro, por causa da USP, que tomou a decisão de firmar
um convênio com a Polícia Militar, para que esta aumente a segurança no campus. Outra notícia que deu o que
falar, esta semana, foi a vitória da chapa “Aliança pela Liberdade” nas
eleições do DCE-UnB, que tem como uma de suas principais propostas o aumento na
segurança, com a atuação da PM também.
Créditos: R7 |
A discussão sobre este assunto
tem tomado proporções quase ridículas: alunos da USP postam em seus perfis no
Facebook “eu sou a maioria, eu quero a PM no Campus”/ “eu não sou maconheiro,
não tenho medo da polícia #FicaPM”; outros fazem protestos, empunhando livros
de Karl Marx sobre os policiais. Na UnB, o problema atual é de representação da
chapa vencedora do DCE: discute-se que, se tivesse havido um segundo turno
(hipótese não prevista no regulamento destas eleições), a situação seria
diferente.
A relação entre PM e Universidade
sempre foi tensa, especialmente na UnB. Após a ditadura militar, a presença
policial no campus tornou-se sinal de
autoritarismo e privação da liberdade de expressão, de livre manifestação. Para
mim, trata-se de preocupação legítima. No entanto, a ausência dos policiais,
que devem fazer seu trabalho básico – promover a segurança pública da
comunidade acadêmica – acabou por tornar a UnB um ambiente cada vez mais propício
a furtos, roubos, seqüestros-relâmpagos, estupros.
Há uma série de causas que podem
ser discutidas para pensarmos no aumento da criminalidade na UnB; trata-se de
um problema complexo que, obviamente, merece uma solução complexa. E estas
soluções, infelizmente, não são abordadas nem por “direita” nem por “esquerda”
(tenho dúvida sobre a manutenção destes rótulos hoje)...
Particularmente, não sou contra a
PM no campus, especialmente na UnB, que tem em sua Reitoria um Professor
fortemente comprometido com ideais democráticos e libertários. Qualquer abuso
da Polícia Militar, no sentido de violar os direitos constitucionais de livre
manifestação do pensamento e de expressão, será fiscalizado e punido. No entanto,
é preocupante ver que, entre direita e esquerda não há diferença quando o assunto
é segurança pública: ninguém pergunta que
polícia queremos no campus... a questão se resume a “sim” ou “não”, com
estereótipos claros: os “mauricinhos” não querem ver seus carros roubados, os “maconheiros”
querem fumar seus baseados em paz, de preferência no “corredor da morte”.
Como já disse no Twitter, estava
com preguiça deste assunto, exatamente pela falta de profundidade em sua
abordagem; porém, resolvi entrar nela apenas para colaborar um pouco... depois
de uma troca de e-mails bastante rasa no grupo da Pós, em que se discutia o papel da UnB – para que ela teria sido
criada, se seus ideais sempre foram de esquerda ou não - , resolvi ir à fonte,
lendo “Universidade para quê?”, do Darcy Ribeiro. Trata-se de uma jóia, um
texto escrito em 1985, quando o agora Senador Cristovam Buarque tomava posse
como Reitor da UnB, assumindo o compromisso de reerguê-la, no processo de
abertura democrática do Brasil.
Neste texto, Darcy discorre sobre
toda a história de fundação da UnB mas, sobretudo, reaviva seus valores: “[...]
o desafio que se coloca diante de vocês, meus queridos colegas, meus queridos
estudantes da Universidade de Brasília, é perguntar: Universidade de Brasília,
para quê? Universidade de Brasília, para quem? O Brasil precisará de mais uma
universidade conivente?” (RIBEIRO, 1986, p. 9).
Esta é a mesma pergunta que
devemos nos fazer quando o assunto é segurança pública no campus: polícia
militar na Universidade de Brasília, para quê? Para quem? A UnB precisa de mais
uma instância formal de controle que reproduza a mesma seletividade de sua
atuação fora do campus?
A proposta, então, é refletir
sobre os modelos de segurança pública existentes e deixar que a comunidade acadêmica
– formada por professores, funcionários, estudantes e cidadãos que freqüentam a
UnB como usuários de seus serviços destinados à população – discuta, de fato, em
que a PM pode contribuir para melhorar a segurança pública no campus, definindo, principalmente, em
quais circunstâncias a PM não deverá atuar.
Temos gente no Direito, na
Sociologia e na Antropologia, apenas para citar alguns, que estudam fortemente
os modelos e problemas da segurança pública. Que tal ouvi-los antes de qualquer
proposta? Que tal formar um modelo voltado à Universidade de Brasília? Mais uma
vez, volto a Darcy, que disse que “uma universidade se faz com multiplicadores”.
Seremos multiplicadores de um modelo de segurança pública obsoleto?
Assim, a atuação da PM no campus
deve se limitar à segurança do patrimônio e da integridade física de todos os
membros da comunidade acadêmica. E só. Não deve impedir manifestações
pacíficas, ocupações de salas para fins de reivindicações, nada disso. Voltando
a Darcy, “nesta Universidade, ninguém, professor ou aluno, será punido ou
premiado, jamais, por sua ideologia. É o princípio do respeito recíproco, da
tolerância, da liberdade docente. É preciso que a esquerda, agora reintegrada
em seus direitos, não faça o que fazia a direita: não comece a ser intolerante.
A tolerância é condição essencial da vida universitária.” (RIBEIRO, 1986, p.
22).
Faço, então, uma proposta: vamos
compor audiências públicas no campus, para tratar deste assunto? Vamos discutir
modelos de segurança pública voltados à polícia cidadã? Vamos tentar incluir
policiais que conheçam a realidade do campus neste projeto? Vamos substituir o
maniqueísmo por pluralismo? Pelo que entendi até agora, era isto que Darcy
queria para a universidade que deveria ser a "casa da crítica", livre e inclusiva. E é por esta liberdade que todos os estudantes se aproximam
e se encantam pela Universidade de Brasília. Esse sentimento de pertencimento,
de “ser UnB”, passará sempre pelo diálogo. Senão, não é "coisa da UnB". Vamos, então, lutar por um novo modelo de segurança pública no campus e na sociedade?